Aparentemente, o jeito mais promissor de corrigir crenças defeituosas é apresentar contra elas evidências diretas. Curiosamente, não é o que sempre acontece. Na verdade, raramente acontece. Aliás, não apenas raramente acontece como existe uma grande probabilidade de que um indivíduo se apegue mais fervorosamente a uma crença quando a vê sendo pulverizada por evidências contrárias.
As pessoas não só não mudam de ideia ao terem suas crenças agredidas por fatos, mas se agarram mais firmemente a elas quando isso acontece. O motivo disso é que o contraste com fatos potencialmente refutantes põe em xeque nossas visões de mundo, e até nossa identidade pessoal.
Por trás desse espírito recalcitrante em relação a fatos e evidências, mora um mecanismo psicológico interessante, conhecido como efeito backfire (algo como “tiro pela culatra”). Essa modalidade de raciocínio motivado atua como um mecanismo de proteção de crenças que faz com que a intensidade de uma crença aumente justo quando ela fica exposta a refutações, como uma raiz dentária à mostra que nos faz repelir qualquer estímulo naquela região por causa de seu efeito doloroso.
Em um estudo encabeçado por Jonas T. Kapla, Sarah I. Gimbe e Sam Harris, descobriu-se que desafiar crenças mais fortes, como as religiosas e políticas, faz com que se ativem no cérebro as mesmas áreas ativadas quando vemos uma serpente prestes a dar o bote, ou quando damos de cara com um cão raivoso em nossa direção. Isto é, perdemos flexibilidade cognitiva e ficamos na defensiva.

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Num artigo de sua coluna no Scientific American, o psicólogo Michael Shermer — uma celebridade na comunidade cética — oferece como exemplo de efeito backfire os criacionistas, que tendem a recusar provas favoráveis à evolução (como registros fósseis) tornando patente seu enorme receio de abandonar o credo religioso em virtude de uma visão secular das coisas. De modo geral, ressalta Shermer, teóricos da conspiração, ativistas antivacinação, ufólogos, negacionistas do aquecimento global e assim por diante, têm motivos para temer informações factuais, a ponto de almejarem destruí-las.
Efeito backfire inerente à formação de grupos
Não é preciso ser muito esperto para concluir que o efeito backfire se faz onipresente no campo da discussão política, desportiva e religiosa, mas é preciso ressaltar o seguinte: os casos paradigmáticos mencionados por Shermer não devem criar em nós a ilusão de que estamos numa situação particularmente privilegiada em matéria de racionalidade. Não é necessário se enquadra em grandes estruturas de pensamento, como uma religião ou ideologia, para estar sujeito a esse mecanismo psicológico traiçoeiro. Efetivamente, a vulnerabilidade ao efeito backfire não é um luxo de criacionistas e afins, mas uma armadilha do raciocínio que não escolhe vítima, afetando pessoas afiliadas às mais diversas crenças, modas e estilos de vida. Até os gamers reagem com animosidade quando se deparam com críticas negativas aos jogos, por sua suposta má influência — e continuariam reagindo assim mesmo se soubessem que a fonte das críticas é imparcial e científica.
E se pensarmos bem, as possibilidades de criação de grupos de identificação são ilimitadas. Pessoas dos mais variados tipos e credos tendem a se conectar via atributos em comum, dos mais sutis aos mais patentes, formando “comunidades” variadas, como a dos ciclistas, a dos enxadristas, dos taxistas, roqueiros, paneleiros, palhaços de circo, aficionados por Star Wars, sonegadores de impostos, admiradores de Quentin Tarantino ou fãs da Marvel. E o jeito mais fácil de irritar essas pessoas é criticar suas comunidades artificiais (não raramente, efêmeras), sobretudo se a crítica tiver fundamento. Ironicamente, esse também é o jeito mais fácil de fazer com que essas pessoas se apeguem com mais fervor a esses gostos, atributos, ideias, crenças, ou seja o que for que faça seus olhos brilharem.
Mesmo quem não é adepto de alguma “tribo”, pode reagir a refutações se apegando mais ainda ao objeto refutado. Enfim, somos naturalmente refratários a críticas e refutações, e estamos todos sujeitos, em variados graus, à tentação de fraudar provas a fim de preservar nossas crenças preciosas. Saber disso deveria nos tornar mais vigilantes quanto ao que deixamos entrar para a nossa constelação de crenças sobre o mundo, ainda mais em tempos de proliferação pandêmica de fake news. Precisamos ser céticos com os outros, mas também com nós mesmos.