Uma equipe de cientistas internacionais, entre eles o brasileiro Dr. Leonardo Almeida, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), descobriu um buraco negro de massa estelar na região da Nebulosa da Tarântula, localizada na Grande Nuvem de Magalhães, uma galáxia vizinha à Via Láctea.

Além disso, após seis anos de observações com o Very Large Telescope (VLT) do Observatório Europeu do Sul (ESO), os cientistas descobriram que a estrela que deu origem a este buraco negro desapareceu sem qualquer sinal de uma explosão poderosa.

De acordo com a equipe, o VFTS 243 é o primeiro buraco negro de massa estelar “adormecido” a ser detectado fora de nossa galáxia. O buraco negro recém-descoberto tem, pelo menos, nove vezes a massa do nosso Sol e orbita uma estrela azul quente com 25 vezes a massa solar.

O Dr. Leonardo Almeida, da UFRN, teve um importante papel neste estudo. Ele foi o primeiro autor do artigo inicial do projeto, o “Tarantula Massive Binary Monitoring”, liderado pelo prof. Hugues Sana. O estudo reportou 51 sistemas binários espectroscópicos de linha única — sistemas de duas componentes, mas com assinatura em linhas espectrais (“sinais eletromagnéticos”) de apenas uma delas — encontrados na amostra de 100 binárias de alta massa da Grande Nuvem de Magalhães.

“Foi a partir desses resultados que o Dr. Shenar e colaboradores aplicaram o método do desembaraçamento espectroscópico que é usado para separar as contribuições das duas componentes de um sistema binário. O objetivo era então caracterizar a componente invisível dos 51 sistemas e o VFTS 243 foi o único a não apresentar nenhuma assinatura proveniente da componente escondida. Portanto, a minha contribuição neste trabalho se deu na redução dos dados e análise da variabilidade e caracterização orbital do sistema, além de ajudar na interpretação dos resultados”, explicou Leonardo.

O brasileiro conta que este foi um dos estudos mais empolgantes dos quais já participou, pois resultou na descoberta do primeiro buraco negro “adormecido” com uma estrela companheira de alta massa descoberto fora da Via Láctea.

“Além disso, os parâmetros desse sistema mostram que o colapso da estrela progenitora em um buraco negro gerou pouco ou nenhum material ejetado. Esta questão tem importantes implicações para a Astrofísica Estelar, como também para a geração e taxas de detecção de ondas gravitacionais. Isso porque esse sistema começa a colocar restrições observacionais cruciais em tipos e distribuições de supernovas e na sobrevivência de sistemas binários de buracos negros”, destacou o pesquisador.

Para Leonardo, é extremamente importante estar inserido em pesquisas que buscam responder questões fundamentais da Física, como é o caso do projeto Tarantula Massive Binary Monitoring. Segundo ele, isso mostra que mesmo com sucessivos cortes de financiamentos para a ciência no Brasil, o país ainda busca se manter competitivo internacionalmente.

“No entanto, para liderarmos grandes projetos, é crucial que a ciência brasileira seja tratada com prioridade e receba a devida valorização pelos nossos governantes”, ponderou.

O que são buracos negros adormecidos?

Os buracos negros de massa estelar se formam quando estrelas massivas “morrem” e colapsam sob sua própria gravidade. No caso de sistemas binários, em que uma estrela gira em torno de outra, esse processo resulta em um buraco negro em órbita com uma estrela companheira luminosa. Quando os buracos negros não emitem altos níveis de raios X, são considerados “adormecidos”.

Os astrônomos acreditam que esses buracos negros adormecidos são comuns no universo. No entanto, quase não se tem conhecimento desses objetos, que são particularmente difíceis de detectar.

Leonardo explica que, quando os buracos negros não estão recebendo matéria de uma estrela companheira, eles não emitem radiação eletromagnética, por isso, eles são chamados de “adormecidos”:

“Neste caso, o único efeito possível de ser medido é a sua interação gravitacional. No entanto, em sistemas binários com uma única componente visível, o que é possível medir é o limite inferior da massa da componente não visível, que costuma ser relativamente pequeno. Portanto, isso pode ser explicado por uma componente estelar com baixa luminosidade.”

Descobrindo VFTS 243

Para encontrar este buraco negro adormecido, os cientistas observaram cerca de 1000 estrelas massivas na região da Nebulosa da Tarântula, na Grande Nuvem de Magalhães.

Região em torno da Nebulosa da Tarântula na Grande Nuvem de Magalhães.
Região em torno da Nebulosa da Tarântula na Grande Nuvem de Magalhães.
Reprodução/ESO

Os cientistas procuraram, particularmente, estrelas que pudessem ter buracos negros como companheiros, algo muito difícil considerando que existem muitas outras alternativas. Segundo Leonardo, as outras alternativas seriam as estrelas de nêutrons, as anãs brancas, ou mesmo estrelas com massas bem inferiores do que a da estrela dominante. Nesse último caso, espera-se que a contribuição da componente menos massiva para a luminosidade do sistema seja bem inferior do que a da componente dominante, uma vez que é possível colocar limites para essa contribuição usando o método do desembaraçamento espectral.  

O líder do estudo, Dr. Tomer Shenar, que começou o estudo na KU Leuven, na Bélgica, e é agora bolsista Marie-Curie na Universidade de Amsterdã, na Holanda, ressaltou que, como pesquisador que tem refutado potenciais buracos negros nos últimos anos, se sentiu extremamente cético em relação a esta descoberta. Da mesma forma, o coautor do estudo, Kareem El-Badry, do Centro de Astrofísica | Harvard & Smithsonian nos EUA, (a quem Shenar chama o “destruidor de buracos negros”) também compartilhou deste ceticismo:

“Quando Tomer me pediu para verificar estes resultados, eu estava com bastantes dúvidas. No entanto, não consegui encontrar nenhuma explicação plausível para os dados sem envolver um buraco negro”, explica El-Badry.

Leonardo conta que também foi bastante cético quanto a essa descoberta: “Antes de publicar qualquer resultado, eu costumo me convencer primeiro de que tudo está correto, e olha que sou extremamente cético. Como o resultado se tratava de algo difícil de ser medido sem ambiguidade, chegar no resultado de um buraco negro fidedigno foi um processo árduo de investigação realizado por todos os colaboradores”, comentou.  

Formação dos buracos negros

Conforme destacaram os cientistas, a descoberta deste buraco negro adormecido forneceu uma visão ímpar a respeito dos processos que acompanham a formação desses objetos. Embora os astrônomos acreditem que um buraco negro de massa estelar se forma quando o núcleo de uma estrela massiva colapsa, eles não sabem ao certo se este evento é ou não precedido de uma violenta explosão de supernova.

“A estrela que deu origem ao buraco negro observado em VFTS 243 parece ter colapsado completamente sem sinal algum de uma explosão anterior”, explica Shenar. “Evidências deste cenário de ‘colapso direto’ têm surgido recentemente, mas agora o nosso estudo mostra uma das indicações mais diretas deste fenômeno. Isto tem enormes implicações para a origem da fusão de buracos negros no cosmos”.

Agora, a equipe espera que outros pesquisadores da área investiguem cuidadosamente essa descoberta, e que o trabalho, publicado na revista Nature Astronomy, permita a descoberta de outros buracos negros de massa estelar em órbita de estrelas massivas.

Esta pesquisa foi apresentada no artigo intitulado “An X-ray quiet black hole born with a negligible kick in a massive binary of the Large Magellanic Cloud” publicado na Nature Astronomy (doi: 10.1038/s41550-022-01730-y).

Publicado originalmente por Observatório NacionalLeia o original aqui.