Às vezes eu fico pensando em como que as coisas fluem, e é bem esquisito, sinto até alguns calafrios em relação a isso. De modo bem simplificado, nascemos numa rodovia enorme, denominada vida, alguns em posições mais privilegiadas e outros menos, mas isso não vem ao caso, não é o que quero esmiuçar aqui. Percebo como se cada ação nossa, as escolhas, fossem uma rua arterial — vamos pular as estradas, né? Pra ficar mais dinâmico — em que você ingressa e sai dessa rodovia, e na rua que você opta por entrar tem várias coisas que você vê justamente porque entrou nela. De repente encontra outras ruazinhas, em consequência de ter entrado naquela e vai encontrando mais coisas e mais coisas.
De antemão penso que, você jamais saberia o que haveria de fato naquela rua se não ousasse entrar, no máximo seria capaz de dar uma espiadinha da esquina. Mas apenas espreitando, admita para si mesmo, convenhamos, você não seria capaz de enxergar quase nada: os buracos presentes naquele caminho, as pedras que possivelmente iriam te fazer tropeçar, a escassez de iluminação talvez em dado trecho da via; ou talvez, pior, o seu self, dessa mesma esquina, poderia sofrer uma “ilusão de ótica”, digamos assim, e quiçá aquela rua nem era tão longa o quanto você pensou ser (e você percebe isso só na caminhada). Muitas dessas coisas você se depara porque decidiu adentrar, talvez com certo receio, ou muito seguro de si, quem sabe?
Do mesmo modo que você só é capaz de perceber quase todas as adversidades existentes no seu caminho quando já está nele, também só conseguirá deslumbrar àquela possível linda vegetação vigente no local, apreciar as rosas e tulipas, admirar a paisagem, sentir o contato dos seus pés com um asfalto liso e macio, o qual parece, novamente, quiçá, adequado para os seus próprios pés, ao passo que caminha em sua trajetória. Eu sinceramente não sei se você já parou para pensar sobre isso, principalmente sob essa perspectiva, mas é o que acontece todos os dias.
“Os versos nos quais a garoa de São Paulo se parece com a neblina de Londres, isto é, com um véu denso de ar úmido, dizem que não conseguimos ver a realidade: o negro, de longe, é branco, o pobre, de longe, é rico; só muito de perto, sem o véu da garoa, o negro é negro e o pobre é pobre. Mas, apesar de vê-los de perto tais como são, de longe voltam a ser o que não são.”
Nesse quesito, penso que nós cobramos demais de si mesmos em determinados aspectos da vida, pois não parece tão claro que precisamos entrar na rua para enxergar de fato.
Se o que você leu até agora não foi o suficiente para elucidar que você não tem total controle do que virá pela frente e que, mais importante ainda, não precisa ter, e que isso isso é normal, eu irei um pouco além a fim de te “conscientizar”. Se ainda pensa que você deve controlar tudo de ponta a ponta, resta-me a esperança de te convencer com algumas outras palavras, tendo em vista que a vida flui sim de acordo com suas decisões e consequências em virtude de tais supracitadas, mas o que muitos apresentam dificuldade em entender é que isso não implica que você deva ter domínio absoluto disso. Você é, muito provavelmente, só mais um humano entre os 7,7 bilhões existentes no nosso planeta. Já cogitou quantas ruas existem no mundo? E uma coisa é certa, o tempo não para. Tendo uma conversa franca com você, sem mesmo saber quem você é (não preciso, se você é um humano já teve que tomar decisões), presumo que você teve e tinha infinitas ruas pra ter entrado, porque a gente toma decisão todo dia, então é como se entrássemos em novas ruas a todo momento, é claro que algumas despertam mais emoções em nós do que outras.
Há vezes em que a gente passa em frente a uma rua, e simplesmente não entramos, por seja lá qual for o motivo. Mas e aí? Você possivelmente nunca vai saber o que tem lá, no máximo vai dar uma espiadinha da esquina. E já sabemos o resultado dessa espiadinha.
Eu, particularmente, não quero que você saia entrando em ruas completamente desconhecidas, como um louco, vai acabar se machucando. Só quero elucidar pra você que não é necessário temer de modo extremado, e muito menos se martirizar, caso descubra que a rua não era tão longa quanto você cogitava ser, ou que não haveria tantos buracos quanto haviam: nós não somos perfeitos, o nosso cérebro é falho. Porém reflita que há um peso bem requintado, numa decisão de entrar em uma via, e não em outra, e isso pode mudar severamente às nossas vidas. E no que tange especificamente à algumas ruas, você só consegue ter acesso naquele momento, porque elas podem deixar de existir, algumas vezes até de um minuto para o outro, é rápido né (é o que trivialmente chamamos de oportunidade)? E como ressaltei anteriormente, o tempo não para, enquanto você está descobrindo uma rua, o que será que está acontecendo na outra? Pois é, consegue entender melhor que jamais teremos um controle absoluto sobre tudo? Isso é a vida. Não deve temer exageradamente, mas não aconselharia deixar o receio totalmente de lado, para nossa própria segurança, digo isso para mim e você, para nossa espécie. E caso tropece demais, o que é comum ocorrer, tenha isso em mente: “uma ostra produz uma pérola a partir de um grão de areia. O grão de areia irrita a ostra. Em resposta, ela cria uma camada protetora que recobre o grão e areia, o que proporciona alívio. Essa cobertura protetora é uma linda pérola. Para uma ostra, um fator irritante se transforma em uma semente para algo novo e bonito”: encare sua experiência como aprendizado, estamos vulneráveis a equívocos a todo momento, mas podemos aprender com isso e melhorar.
Não é “autoajuda”, é o fluxo da vida sob uma perspectiva diferente e metafórica. Ouse, mas ouse mesmo entrar em ruas, porém use sua experiência!