A maior parte das pessoas do mundo acredita em Deus, e muitas delas também creem em outros tipos de ser espiritual, tais como espíritos, anjos e demônios. Essa crença (quase) onipresente sempre chamou a atenção dos intelectuais. Por exemplo, filósofos e teólogos se debruçam há séculos sobre os argumentos contrários e favoráveis à existência de Deus, e, nas últimas décadas, cada vez mais cientistas têm investigado as (supostas) consequências da religiosidade sobre a saúde. Contudo, parece haver um pouco menos de “investimento” numa questão que, pra mim, é igualmente relevante: afinal, por que tanta gente acredita em Deus e em outros seres espirituais?
Mas eu estaria mentindo se dissesse que não existem bons estudos empíricos já publicados sobre isso. Há alguns anos, Ara Norenzayan e Will Gervais estavam interessados em entender por que algumas pessoas são — ou se tornam — ateias. Após reunirem e analisarem os achados de dezenas de pesquisas que investigaram isso, eles acabaram elaborando um modelo teórico capaz de explicar não só a descrença, mas também a crença em seres espirituais. Quer mais? Eles sacaram que existe não uma, mas quatro causas psicológicas por trás disso. Como eu analisei alguns dos meus camaradas descrentes recentemente, o meu trabalho hoje se resumirá em botar apenas os crentes “no divã”.
Uma das causas da crença em seres espirituais foi chamada por Norenzayan e Gervais de “aprendizagem cultural”. Basicamente, há evidências de que aprendemos a ser religiosos com as pessoas com quem mais convivemos; evidências de que crianças só passam a crer em vida após a morte depois de serem ensinadas sobre isso; e evidências de que, quanto mais os nossos pais eram religiosos, mais fortemente nós cremos em seres espirituais quando nos tornamos adultos. Embora os detalhes psicológicos subjacentes a essa “herança cultural” ainda dividam os especialistas, qualquer um que reparar bem os seus vizinhos vai concluir que filhos de católicos tendem a se tornar católicos, filhos de protestantes tendem a se tornar protestantes e filhos de espíritas tendem a se tornar espíritas. Ainda que haja exceções aqui e ali, podemos metaforicamente dizer que fomos psicológica e socialmente “predestinados” a participar de nossa religião e, pelas mesmas razões, a torcer pelo nosso time do coração. Curioso, né?
Além disso, não é de hoje que há gente batendo na tecla de que o medo é um dos motores da fé. De acordo com Norenzayan e Gervais, a crença em seres espirituais pode ser uma fonte de esperança, de sentido ou de consolo diante de nossas inseguranças existenciais. Por exemplo, há evidências científicas de que tendemos a aumentar nossa credulidade quando sobrevivemos a um terremoto; quando refletimos sobre a nossa morte; quando passamos por experiências de falta de controle; ou quando nos tornamos mais solitários. Essas condições adversas podem atingir também uma nação inteira, uma vez que, em países com menor “bem-estar social” (p. ex., aqueles com maior desigualdade econômica e com taxas mais altas de homicídio), as pessoas tendem a orar mais. Basicamente, isso é o que caracteriza o “mecanismo motivacional”.
Por fim, Norenzayan e Gervais sugerem que a crença em seres espirituais depende de um mecanismo cognitivo normalmente chamado de “intuição”, o qual possuiria um papel causal duplo em seu modelo teórico. Pra conhecer os detalhes desse mecanismo, não deixe de assistir ao vídeo que eu produzi sobre isso (abaixo).