Você já deve ter ouvido por aí que “depressão é falta de Deus”, né? Não é de hoje que os problemas psicológicos são atribuídos a forças ou seres sobrenaturais — presentes ou ausentes —, e, infelizmente, não vai ser amanhã que pararemos de fazer isso. Contudo, não duvido que podemos encurtar o “tratamento espiritual do sofrimento mental” com a boa — mas não tão velha — alfabetização científica.

Muita gente ainda não sabe, mas é possível estudar cientificamente a religiosidade. Por exemplo, já sabemos muita coisa sobre a origem da crença (e da descrença) em seres espirituais, e inúmeras pesquisas já foram realizadas a fim de testar se o nosso nível de envolvimento religioso se relaciona com a nossa saúde mental. Eu acredito que, se essas informações forem devidamente popularizadas — e se as pessoas compreenderem melhor não só a robustez, mas também o “espírito” do método científico —, estaremos em melhores condições de abandonar completamente a interpretação sobrenaturalista dos transtornos mentais.

Mas e aí: o que as pesquisas em Psicologia e Psiquiatria têm a nos dizer sobre a relação entre depressão e religiosidade? Conforme indicam as melhores revisões sobre o assunto, quanto mais religiosas são as pessoas, menos depressivas elas tendem a ser. Embora alguns estudos não tenham encontrado isso — dentre os quais os que constataram o oposto disso —, esse é o tipo de resultado mais frequentemente reportado na literatura. Bom para os religiosos?

Nem tanto. Acontece que, na maior parte das vezes, a força da correlação entre religiosidade e sintomas depressivos é fraca. Para ser um pouco mais preciso, de acordo com um levantamento, quase 90% dos estudos analisados verificaram que essa relação ou é pequena, ou é insignificante. Para explicar isso com uma analogia, embora beber uma dose de café diariamente interfira em nossa hidratação, esse efeito é pequeníssimo quando comparado com o de ingerir água regularmente. Nesse sentido, diversos outros fatores também determinam a oscilação do nosso humor — como o sono, as relações interpessoais e a prática de atividades físicas —, e alguns deles são bem mais relevantes do que a vida religiosa. Por isso, a ideia de que a origem da depressão é a falta de Deus é, para dizer o mínimo, tão exagerada quanto seria afirmar que a desidratação é causada pela falta de café. A propósito, se não fosse assim, como explicar o fato de que tantas pessoas de fé – incluindo líderes religiosos — passam por sérios episódios depressivos?

Para pôr mais artigos, digo, lenha na fogueira, é possível que o envolvimento religioso não se relacione com a depressão por meio de seu “conteúdo religioso”. Sendo um pouco mais claro, coisas como orar, ler a Bíblia e fortalecer nossa conexão com Deus parecem não ser “práticas antidepressivas” de grande valor. Em vez disso, variáveis não religiosas, como a participação de grupos, podem explicar por que pessoas mais religiosas — as quais costumam ser socialmente mais engajadas — tendem a ser um pouquinho menos depressivas. Essa ideia é amparada não só por estudos que testaram isso diretamente, mas, de forma indireta, também por pesquisas que compararam ateus com religiosos. “Afinal”, você poderia me perguntar, “pessoas que não creem em Deus tendem a ser mais depressivas, certo?”

Essa foi uma das questões que me motivaram a conduzir uma pesquisa recentemente, e eu tive a alegria de contar com a participação de 1788 brasileiros. Por mais paradoxal que pareça, as pessoas não religiosas — como as ateias, as agnósticas e as espiritualistas — podem ser a peça que faltava nas investigações referentes à relação entre religiosidade e saúde mental. Quer mais detalhes sobre essa história toda? Não deixe de assistir ao vídeo que publiquei recentemente sobre o assunto.

Para ler as referências deste texto, clique aqui.
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