Tratando-se da área forense, uma pequena informação pode fazer muita diferença. É por isso que a microbiologia forense vem investigando o quanto de informação podemos obter dos microrganismos presentes em uma cena de crime. A importância da ciência para desvendar um crime não é novidade, os peritos e os milhares de filmes e séries sobre o assunto estão aí para nos mostrar como o conhecimento é crucial para um trabalho pericial bem feito. Dentre as várias áreas periciais que existem, a microbiologia forense tem crescido juntamente com o avanço das técnicas moleculares para identificação de micro-organismos.

A microbiologia forense possui uma vertente de estudo focado em identificação da digital microbiológica. Isso mesmo, digital! Assim como você possui linhas na palma da sua mão que servem para te identificar — por isso sua digital está na sua carteira de identidade — alguns pesquisadores relatam que a comunidade microbiana é individualizada e pode ser estável temporalmente.  Ou seja, você tem um conjunto de micro-organismos que só você possui e ao tocar um objeto alguns desses micro-organismos ficam aderidos a esse objeto. Assim, como ao coletar amostras de um local de crime o perito irá analisar a digital encontrada nos objetos, poderia também analisar a digital microbiológica.

Determinar o microbioma simbionte associado à pele representa uma forma alternativa de identificação humana, mais pessoal do que análise do genoma humano, visto que mesmo gêmeos idênticos geneticamente possuem diferença nos micro-organismos associados a pele. Comparativamente à análise de DNA humano e análise de impressão digital, há maior facilidade em recuperar DNA bacteriano de superfícies tocadas por um indivíduo, do que DNA humano da mesma superfície, na qual dependendo da característica é pouco provável de obter a impressão digital.

Outra informação muito importante obtida a partir da análise dos micro-organismos é a compreensão de como ocorre a sucessão microbiológica após a morte. Ou seja, assim que uma pessoa vem a óbito os microrganismos começam a decompor a matéria orgânica deste corpo, porém, existe uma ordem, uma sucessão. Essa sucessão cronológica que ocorre entre os microrganismos no período da decomposição é importante, pois pode auxiliar o perito a determinar o intervalo pós-morte, que é o período de tempo mínimo para ter ocorrido a morte da pessoa em questão. Mesmo cada pessoa tendo um microbioma individualizado o perfil da sucessão dos microrganismos se assemelham.

A estimativa do intervalo pós-morte, por meio da utilização da sucessão microbiológica, é influenciada pelo ambiente no qual o cadáver está localizado, ou — para o caso de modificação do local do corpo do cadáver — influenciado pela localização do cadáver antes da sua modificação. Essa influência deve-se a mudança de temperatura, clima, presença ou ausência de vegetação, tipo da vegetação, umidade, exposição a luz, ou seja, toda e qualquer característica física e química do local, que são essenciais para determinar quais micro-organismos são capazes de habitar o meio ambiente em questão. Giulia Enders, em seu livro “O discreto charme do intestino” relata sobre a diversidade de ambientes e a consequente diversidade microbiológica existente, no seguinte trecho: Conhecemos as bactérias como pequenos seres vivos, que consistem em uma única célula. Algumas vivem em fontes de água fervente na Islândia, outras, no focinho gelado dos cães. Outras ainda precisam de oxigênio para produzir energia e “respiram” como os seres humanos. Por sua vez, outras morrem ao ar livre; retiram sua energia não do oxigênio, mas dos átomos de metais ou de ácidos.

As identificações dos micro-organismos associados ao solo são comumente realizadas pela ampliação dos genes 16S rRNA, por pirosequenciamento. A coleta do solo já é utilizada em casos forenses, como em Soham, no Reino Unido, onde de acordo com a matéria publicada na BBC NEWS em 2003, a amostra do solo e de pólen encontrados no carro do réu coincidia com o solo do local onde os corpos haviam sido encontrados, assim, o estudo do solo tornou-se mais uma peça para auxiliar a equipe de investigação. O solo possui diversas características, que são alteradas de acordo com a região. Da mesma forma que a comunidade microbiana é específica para cada localidade e tipo de solo, a forma de colonização também será única. Assim como na entomologia forense é necessário o estudo da decomposição pelos artrópodes em diferentes localidades e tipos de ambientes, no caso da microbiologia forense faz-se necessário o estudo da decomposição por microrganismos em diversas localidades e ambientes.

Em ambientes aquáticos diversos fatores influenciam a decomposição, além dos fatores comuns ao ambiente terrestre, sendo estes: salinidade, profundidade, diversidade bacteriana, composição química da água, corrente, ação dos mares, necrofagia e capacidade de movimentação em 3 dimensões. Para determinação de IPM (intervalo post-mortem) em ambientes aquáticos há cálculos baseados no último dia no qual a vítima foi vista com vida, sendo de grande importância para casos de afogamento, por exemplo, mas insuficientes para homicídios.

E como os cientistas pesquisam essa sucessão microbiológica?

Aqui temos como exemplo dois artigos sobre sucessão microbiológica, um em ambiente terrestre e outro em ambiente aquático, para entendermos como se desenvolve esse tipo de conhecimento.

No primeiro exemplo temos uma pesquisa realizada em ambiente terrestre na Romênia. Pesquisadores analisaram por 27 semanas a estrutura da comunidade microbiológica em carcaças de porcos (sim, porco é o que mais se assemelha com humanos para esses tipos de análises forenses e até farmacêuticas) com a finalidade de entender como ocorre a dinâmica entre bactérias e insetos necrófagos durante a estação fria, e então estimar o intervalo post-mortes. Retiraram amostras das massas larvais presentes ao redor da boca, abdômen e parte posterior da carcaça, bem como amostras de tecidos para análise microbiológica, da cavidade da boca e do reto, uma vez por semana, durante 21 semanas. Todo o processo de decomposição foi dividido em 5 etapas, a depender da temperatura e da característica de decomposição observada. As espécies que colonizaram as diferentes cavidades foram distintas entre si e nitidamente houve sucessão entre as espécies colonizadoras com o passar do tempo, mudança de temperatura e alteração na fauna entomológica que contribuía para a decomposição.

Como exemplo de ambiente aquático tem um estudo feito no sudeste da Nova Zelândia. Pesquisadores relataram a sucessão bacteriana marinha como potencial indicador de intervalo de submersão pós morte (ISPM) pela análise do perfil de decomposição de fragmentos da carcaça de porcos em ambiente aquático em duas estações do ano, outono e inverno. Realizaram extração de DNA das amostras bacterianas, monitoramento da temperatura média diária da água do mar, com a finalidade de calcular o grau dia acumulado pela soma consecutiva da temperatura média da água do mar durante todo o período de submersão. A análise da dinâmica de sucessão revelou que 69% das bactérias durante o outono e 79% durante o inverno colonizaram as carcaças durante um único período. Os autores dividiram alguns colonizadores como iniciadores, quando estes apareceram nas primeiras coletas, mas não deixaram vestígios nas coletas subsequentes e colonizadores recorrentes, quando reapareceram amostras após sua primeira identificação. Sendo os recorrentes considerados pouco interessantes para serem utilizados como indicadores do tempo de submersão pós morte. Em contrapartida, os gêneros que frequentaram a carcaça após determinados tempos de imersão são considerados importantes para estimativa do ISPM.

A utilização de micro-organismos para fins forenses é um assunto recente e crescente no meio acadêmico. As poucas pesquisas existentes demonstram a crescente expectativa quanto a utilização da microbiologia como nova área forense, porém, necessita de maiores investigações e incentivos para que novas técnicas de colaboração às investigações criminais sejam criadas.

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